quarta-feira, 30 de novembro de 2011

''Caso os mercados não forem controlados, eles destruirão o capitalismo'', afirma Nobel de Economia


Em sua passagem pela Espanha, o prêmio Nobel Joseph Stiglitz afirmou que as políticas de ajuste são uma receita para crescer menos, gerar mais desemprego e aprofundar a recessão. Propôs impulsionar a demanda estimulando o consumo e os investimentos.

A reportagem está publicada no jornal argentinoPágina/12, 25-11-2011. A tradução é do Cepat.

“A austeridade é uma receita para o suicídio”, sentenciou na semana passada na Espanha o prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz. De visita à Península Ibérica, o prestigiado economista advertiu o presidente espanhol, Mariano Rajoy, que as políticas de ajuste “são uma receita para crescimento menor, para uma recessão e para mais desemprego”. Na cidade de La Coruña, Stiglitzrechaçou a redução de salários e dos níveis de proteção social. Em compensação, assinalou que o problema é “a falta de demanda” e, portanto, a política econômica deve estimular o consumo e os investimentos. “Há uma tendência dos mercados sem controle de cometer excessos de todo tipo e, caso os mercados não forem controlados, eles destruirão o capitalismo”, arrematou o norte-americano.

Na Espanha, o “desemprego” sobe para 21,2% da população economicamente ativa, mais de cinco milhões de pessoas, e golpeia com mais intensidade os jovens, onde a taxa ultrapassa os 40%. A fórmula de Rajoy para enfrentar a crise é simples e está em sintonia com as recomendações do FMI e da União Europeia: “São necessários recortes em tudo”, ao mesmo tempo que se comprometeu a “manter o poder aquisitivo das pensões”. “Temo muito que vão se centrar na austeridade, e esta é uma receita para um crescimento menor, para uma recessão e para mais desemprego. A austeridade é uma receita para o suicídio”, lamentou Stiglitz.

O ex-vice-presidente do Banco Mundial destacou que “é preciso dar-se conta de que a austeridade por si só não vai resolver os problemas porque não vai estimular o crescimento; a menos que a Espanha não cometa nenhum erro, acerte 100% e aplique medidas para suavizar a política de austeridade, sair da crise levará muitos anos”.

O professor da Universidade de Colúmbia não reclama o default das economias periféricas europeias nem o abandono do euro, mas adverte que o enfoque do ajuste nasce de um diagnóstico errado. Stiglitzconsiderou que as “reformas estruturais”, histórico eufemismo para o ajuste fiscal, aplicadas em países como a Grécia, Portugal ou Itália, “foram construídas para melhorar a economia pelo lado da oferta, não pelo lado da demanda, quando o problema real é a falta de demanda”.

O prêmio Nobel questionou o papel do Banco Central Europeu em crises como a que a Grécia está atravessando, onde o organismo “colocou os interesses dos bancos acima dos interesses dos cidadãos”. Nesse sentido, Stiglitz explicou que noBCE “as decisões são tomadas por um grupo secreto de pessoas, a International Swaps and Derivatives Association (ISDA), um grupo de especuladores. É inaceitável que se confie a tomada de decisões a um determinado grupo de particulares, sobretudo a este grupo”. A ISDA é a associação que controla os produtos financeiros derivados, fundamentalmente os ativos over-the-counter que são negociados diretamente entre os privados sem nenhum tipo de intervenção de um organismo regulador.

Para aplicar as pressões do setor financeiro, Stiglitzpropôs a criação de um organismo público que se encarregue das avaliações criditícias, de um fundo solidário que permita alcançar a estabilidade na Eurozona e a criação de eurobônus para financiar a região. “Há uma tendência dos mercados sem controle de cometerem excessos de todo tipo e, caso os mercados não forem controlados, eles destruirão o capitalismo”, afirmou o economista, que participará de um seminário em Buenos Aires no próximo dia 7 de dezembro.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Decifrando o código

Quando o Código Florestal for à votação no plenário do Senado nesta semana, uma única pergunta deve dominar o debate: o texto do senador Jorge Viana (PT-AC) traz ou não anistia a desmatadores?

A resposta é: depende da sua definição de anistia.

A reportagem é de Cláudio Angelo e publicada pelo jornalFolha de S. Paulo, 27-11-2011.

Se pela palavra se entender a dispensa total de multa e recuperação de florestas para quem desmatou antes de 2008, implícita no projeto que veio da Câmara, não.

Até os ambientalistas mais aguerridos concordam queViana e o outro relator do texto, Luiz Henrique (PMDB-SC), melhoraram o projeto.

Nenhum proprietário rural será dispensado de recuperaráreas de preservação permanente (APPs), por exemplo.

O texto avança até em relação ao código atual, como o controle da madeira por um sistema federal e a obrigatoriedade de cadastro ambiental para todas as fazendas.

Se por anistia, porém, se entender redução de exigências, então o novo código é uma festa: tal qual o texto da Câmara, ele muda conceitos de topo de morro e de rio, o que muda a forma de medir APPs; permite uma recomposição menor de matas ciliares e da chamadareserva legal; e permite que essa recomposição leve à regularização de desmatamentos ilegais cometidos até 22 de julho de 2008.

Desmatadores também poderão ter isenções fiscais para recuperar florestas. E quem tiver desmatado em área permitida, mas sem licença, poderá ter perdão de multa.

Segundo Tasso Azevedo, ex-diretor do Serviço Florestal Brasileiro, o texto de Viana resolve "60%" dos problemas do código da Câmara.

Mas restam detalhes cruciais. "O texto diz que eu não posso ter autuação para desmatamentos até 2008. Só que, se eu não posso autuar, não posso nem definir se o desmatamento é anterior."

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Brasileiro foi sequestrado na ditadura argentina

Relatório secreto feito em 1971 pela Embaixada do Brasil no Uruguai detalha o sequestro de um militante da esquerda armada (desde então desaparecido) em Buenos Aires e seu transporte ilegal para o Rio num avião da FAB.

O documento saiu no jornal "Página/12", da Argentina, que disse tê-lo obtido no Arquivo Nacional de Brasília.

A informação é do jornal Folha de S. Paulo, 19-11-2011.

A íntegra do relatório reescreve a trajetória do jornalistaEdmur Péricles Camargo, então com 57 anos, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e da organização M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara), autora de pelo menos cinco assaltos a banco entre 1969 e 1970.

Os militares também acusavam Camargo de ter assassinado o fazendeiro José Gonçalves Conceição, em 1967, em Presidente Epitácio (SP).

Para Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, o relatório é um raro registro oficial de uma operação clandestina da ditadura brasileira no exterior.

O problema legal é admitido pelo próprio autor do relatório, o adido militar brasileiro no Uruguai, de nome não revelado: "Parece que a polícia argentina se antecipou um pouco, pois, no momento em que o fato [sequestro] venha a público, será difícil justificar a entrega e o recebimento de um banido".

Camargo havia sido preso em 1970 em Porto Alegre (RS). Em janeiro de 1971, ele e mais 69 militantes foram banidos do Brasil em troca da libertação do embaixador suíçoGiovanni Bucher.

Camargo foi para o Chile. Em maio de 1971, decidiu ir para o Uruguai, possivelmente para um tratamento de visão. O voo faria uma escala em Buenos Aires. No aeroporto de Ezeiza, a polícia argentina prendeu o militante, que viajava com um nome falso.

Os brasileiros já vinham monitorando o caso e pediram um avião da FAB (Força Aérea Brasileira), que chegou a Buenos Aires às 3h do dia 17 de maio. Camargo foi embarcado às 6h e levado ao aeroporto do Galeão, no Rio.

Documento citado no "Correio Braziliense" em 2007 diz que Camargo foi preso graças a informações do Centro de Informações do Exterior.

O relatório obtido pelo "Página 12" confirma que "um agente do Itamaraty que trabalha em Montevidéu" foi antes a Buenos Aires e alertou as autoridades argentinas sobre a chegada de Camargo.

A descrição dos horários de chegada e saída do avião da FAB, diz Krischke, poderia ser usada pela Comissão da Verdade para determinar as pessoas envolvidas no sequestro.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Escolha de novo líder indica que Farc pretendem manter o combate

A escolha de Timoleón Jiménez, o "Timochenko" (cujo verdadeiro nome é Rodrigo Londoño), como novo líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) indica que a guerrilha optou manter a atual estratégia militar e o combate, de acordo com analistas.

A reportagem é da BBC Brasil, 16-11-2011.

Quinze dias depois da operação do exército que matou Alfonso Cano, o então líder do grupo, no sudoeste da Colômbia, asFarc anunciaram Timochenko como o novo chefe. Ele era o segundo na linha de comando do secretariado das Farc, e, de acordo com a guerrilha, foi escolhido pelo comando e aprovado pelas tropas combatentes.

Timochenko (foto) tem 52 anos, dos quais 30 foram dedicados às Farc. Médico cardiologista, ele é o mais antigo membro do atual comando. Nesta quarta-feira, o governo colombiano afirmou que não sabe de seu paradeiro, embora se especule que ele esteja próximo à fronteira da Colômbia e Venezuela, na região de Santander.

Para analistas, a opção por Timochenko revela que as Farcnão pretendem negociar dentro das condições propostas atualmente pelo governo. Ao contrário, seria um sinal de resistência e de que, para o grupo, o "combate" vai continuar.

"As Farc optaram por manter a mesma estratégia ofensiva que privilegia os confrontos com as força públicas e até mesmo os ataques contra civis. A ideia é resistir", explicaAriel Ávila, coordenador da Corporación Nuevo Arco-Íris, uma ONG colombiana trata de conflitos e busca pela paz.

Ávila diz que Timochenko é considerado o maior estrategista militar das Farc e o único do atual comando que recebeu treinamento militar na antiga União Soviética e na Iugoslávia. "Como Cano, ele tem raízes urbanas, mas não tem um perfil político. Ele é considerado um comandante linha-dura e muito respeitado pelas tropas de base das Farc."

Agenda

Ávila acredita que, com a escolha por Timochenko ao invés de alguém com perfil mais negociador, as Farc querem dizer que nada mudou para eles, e que a "guerra" continuará até que outros fatores de negociação possam ser colocados à mesa.

"O governo Santos tem de tomar cuidado para não construir um discurso assoberbado, dizendo, de um lado, que as Farc serão derrotadas, e de outro, chamando-as ao desarmamento sem oferecer propostas mínimas."

"Governo e Farc têm de adequar seus níveis de exigência. O governo tem que buscar um nível maior de reformas para o Estado colombiano e as Farc precisam se abrir para uma agenda menos radical", afirma. Para o professor de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Javeriana da ColômbiaPedro Valenzuela, as duas partes devem buscar concessões, mas isso não acontecerá agora.

"A agenda das Farc é muito grande, mas eles têm consciência de que a revolução de esquerda que eles pleiteavam não vai acontecer. Só que, como ainda dispõem de combustível para brigar, vão levar isso adiante," explicaValenzuela.

O professor acredita que alguns dos pontos importantes que devem entrar na pauta do governo colombiano para negociar com as Farc são a reforma agrária, garantias políticas para os líderes do grupo e um combate mais efetivo do estado ao paramilitarismo. "Claro que isso é muito difícil. Há muita resistência de alguns setores políticos e econômicos para tratar estes pontos. Mas as Farc continuarão atuando da mesma maneira."

Expectativa

Apesar de não ver a curto prazo um horizonte favorável à resolução do conflito e à pacificação colombiana, Valenzuela avalia que, devagar, o país está construindo um ambiente propício à paz no futuro. "A guerra continuará por um bom tempo, mas existem alguns espaços onde se pode abrir diálogos. O governo Santos já deu provas de que tem potencial negociador e que tem consciência de que algumas das demandas das Farc são plausíveis", diz.

O professor cita como exemplo a lei de reparação de vítimas e o esforço do atual governo de tentar devolver as terras aos camponeses obrigados a deixarem suas casas por causa do conflito. "As Farc sabem que têm mais chance de negociar com Santos que com o governo anterior (Álvaro Uribe). Por isso, com mais ajustes nos discursos de ambas as partes e mais concessões em prol da própria democracia colombiana, podemos sim chegar à pacificação", afirmaValenzuela.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Perfis dos corruptos


"Enquanto os corruptos não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas", escreve Frei Betto, escritor, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 15-11-2011. Eis o artigo. Manifestações públicas em várias cidades exigem o fim do voto secreto no Congresso, o direito de o Conselho Nacional de Justiça investigar e punir juízes, a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012 e o combate à corrupção na política. Por que há tanta corrupção no Brasil? Temos leis, sistema judiciário, polícias e mídia atenta. Prevalece, entretanto, a impunidade - a mãe dos corruptos. Você conhece um notório corrupto brasileiro? Foi processado e está na cadeia? O corrupto não se admite como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. Anzol sem isca, peixe não belisca. O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence; o caixa dois, investimento eleitoral. Bobos aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito. Há vários tipos de corruptos. O corrupto oficial se vale da função pública para extrair vantagens a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem custeada pelo erário, usa cartão de crédito debitável no orçamento do Estado, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas. Sua lógica é corrupta: "Se não aproveito, outro sai no lucro em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver o nome estampado nos jornais e a cara na TV. O corrupto não tem escrúpulo em dar ou receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou patrocinar férias de juízes. Afrouxam-no com agrados e, assim, ele relaxa a burocracia que retém as verbas públicas. Há o corrupto privado. Jamais menciona quantias, tão somente insinua. É o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor sabe ler nas entrelinhas. O corrupto "franciscano" pratica o toma lá, dá cá. Seu lema: "quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a se indignar quando o assunto é a corrupção. O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o pasto de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. O corrupto cúmplice assiste ao vídeo da deputada embolsando propina escusa e ainda finge não acreditar no que vê. E a absolve para, mais tarde, ser também absolvido. O corrupto previdente fica de olho na Copa do Mundo, em 2014, e na Olimpíada do Rio, em 2016. Sabe que os Jogos Pan-Americanos no Rio, em 2007, orçados em R$ 800 milhões, consumiram R$ 4 bilhões. O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. De tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem-sucedido. Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Enquanto os corruptos brasileiros não vão para a cadeia, ao menos nós, eleitores, ano que vem podemos impedi-los de serem eleitos para funções públicas.