A prefeitura de Mangaratiba, no litoral sul do Rio, a 50 km da capital, autorizou uma construtora a utilizar uma Área de Preservação Permanente (APP) para fins residenciais. Com mais de 60 mil m², o terreno foi permutado em uma manobra jurídica denunciada ao Ministério Público Federal (MPF).
A reportagem é de Antonio Pita e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 04-05-2012.
Demarcada em 1987, a área é cercada por praias da Baía de Angra dos Reis e por mansões que custam, em média, R$ 1 milhão. Entre os proprietários de casas na região estão empresários e políticos, como o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB).
A denúncia foi feita por moradores do Loteamento Itaóca, vizinho da área de preservação. O terreno da reserva foi cedido à prefeitura como contrapartida à construção do loteamento, na década de 1980. No registro da época, a área tem o uso definido para preservação de caráter permanente, sendo proibidas futuras construções.
Em maio de 2011, sua finalidade foi alterada em uma lei sancionada pelo prefeito Evandro Bertino Jorge (PR). No texto, a área deixa de ter o caráter público para "dar destino adequado às áreas livres do município". Na mesma lei, aprovada na Câmara, o município fez uma permuta com a empresa Empreendimentos Enseada Portofino SPE. Em troca, a cidade recebeu um terreno de 130 mil m² na outra margem da Rodovia Rio-Santos. Em março, a construtora obteve da prefeitura aval para o uso "comercial ou residencial" no antigo terreno.
Prédios de luxo
No local, placas anunciam a venda de apartamentos de luxo em dois prédios de seis andares, construídos em uma encosta de frente para o mar. Máquinas são vistas dentro do terreno, realizando serviço de terraplanagem e pavimentação de uma via até a praia.
Apesar das denúncias, o prefeito nega que haja empreendimentos aprovados para o local. "Não há qualquer projeto a ser implementado na área destinada ao condomínio", disse Bertino. Segundo o prefeito, a área cedida estava degradada e não era destinada à preservação. "Trata-se apenas de sapê." O secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc, solicitou investigações à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea). "Do ponto de vista ambiental, é ilegal e é um escândalo. Isso tem de ser investigado para não ficar impune. É um estelionato ambiental."
Responsável pela construtora, Anderson Machado negou acusações de ilegalidade. Segundo ele, o empreendimento não será erguido na área permutada, mas no terreno vizinho, que também seria da construtora. Para o advogado que representa os moradores da região, Arnon Velmovitsky, a manobra jurídica que permitiu a permuta é uma lesão ao patrimônio público. "Isso atende a interesses específicos nessa área valorizada."
O processo de permuta também envolve outras suspeitas de irregularidades. A sede da construtora está registrada no mesmo terreno permutado à prefeitura em 2011. No termo de permuta sancionada pelo prefeito, dos 130 mil m² da área cedida pela empresa, cerca de 43 mil m² serão reservados para coleta e abastecimento de água do próprio empreendimento contestado.
Alguns moradores do local também relatam ameaças e agressões por parte de representantes da construtora. "Nós contratamos um topógrafo para demarcar os limites do nosso loteamento e ele foi ameaçado e nunca mais voltou. Aqui virou terra de ninguém, um velho oeste", afirmou um morador que não quis se identificar.
O prefeito de Mangaratiba disse desconhecer as ameaças e negou que o manancial fizesse parte da área permutada. Segundo ele, o projeto que alterou a finalidade do terreno foi apresentado à Câmara de Vereadores em fevereiro de 2011. Na época, o presidente da Câmara, vereador Edinho (PMDB), também acumulava o cargo de prefeito interino de Mangaratiba.
Ele substituiu o ex-prefeito Aarão Brito (PMDB), que foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por corrupção. O vereador não quis comentar as denúncias.
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