Os teólogos Paul Zulehner e David Berger falam da moral sexual e da corrente de direita na Igreja.
A reportagem é de Stefan Hayden, publicada no sítio DerStandard.at, 18-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão do cardeal Christoph Schönborn de confirmar a eleição de um conselheiro homossexual em um órgão paroquial na Áustria levou a um novo debate sobre a moral sexual da Igreja Católica Romana. Enquanto a Igreja oficial não pode ir na direção progressista em matéria de homossexualidade, a decisão pessoal de Schönborn é difamada em sites fundamentalistas como o Kreuz.net.
Enquanto isso, a Pfarrer-Initiative [Iniciativa dos Párocos] em torno de Helmut Schüller colide, com as suas exigências pelo sacerdócio às mulheres e pelo casamento para os padres, com a total surdez de Roma.
Nesta entrevista, os teólogos Paul Zulehner e David Berger falam sobre as atuais implicações do Vaticano com o Kreuz.net, sobre o predomínio dos ultraconservadores e sobre a homossexualidade na Igreja. O DerStandard.at entrevistou-os separadamente.
Paul Zulehner (foto à direita), 72 anos, é teólogo pastoral e foi, até 2007, decano da Faculdade de Teologia Católica da Universidade de Viena. É considerado um dos melhores conhecedores da Igreja. Seus inúmeros estudos abordam a busca dos valores e sobretudo das pessoas que atuam dentro da Igreja. Em fevereiro, foi publicado o seu estudo mais recente sobre os párocos austríacos: Aufruf zum Ungehorsam – Taten, nicht Worte reformieren die Kirche [Apelo à desobediência. Fatos, e não palavras, reformam a Igreja].
David Berger (foto à esquerda), 44 anos, é teólogo, foi nomeado em 2003 professor à distância da Academia Pontifícia São Tomás de Aquino e foi diretor da Theologisches, a eminente revista dos católicos conservadores. De 1998 a 2001, foi docente na Congregação dos Servos de Jesus e Maria na diocese de St. Pölten, na Áustria. Por protesto, no início de 2010, se demitiu do cargo de diretor e, no mesmo ano, publicou seu livro Der heilige Schein. Als schwuler Theologe in der katholischen Kirche (A aparência sagrada. Um teólogo gay na Igreja Católica). Hoje, leciona alemão em um colégio. A permissão de ensinar religião lhe foi retirada pelo arcebispo de Colônia no ano passado.
Eis a entrevista.
Os grupos que se valem de plataformas como o Kreuz.net se radicalizaram ainda mais nos últimos anos?
Berger – Sim, é a minha firme convicção. Observa esse cenário há dez anos, também de dentro. Eu também colaborei no início com o Kath.net e pessoalmente me dei conta da radicalização desses grupos. E isso também aconteceu por causa de um feedback específico: desde 2005, eles repetidamente receberam de Roma o sinal de que era certo o que eles estavam fazendo.
O Kath.net teve mais de uma vez um explícito reconhecimento por parte do Papa Bento XVI. E eu repetidamente percebi que, em Roma, o trabalho do Kreuz.net é visto muito favoravelmente. Um bispo alemão me disse há alguns meses: "O problema é que se nós, hoje, somos criticados pelo Kreuz.net, amanhã recebemos um telefonema da Secretaria de Estado do Vaticano, que nos pergunta o que estamos fazendo". Penso que agora estão virando esta carta: espalhemos a discórdia na Internet, até que venha algo de Roma.
Você acredita que isso também pode acontecer com Schönborn por causa do caso atual do conselheiro gay?
Berger – Temo que ele receba a ordem para deixar como um caso individual. Isso não vai passar sem consequências, porque precisamente esses círculos conservadores, reacionários, criaram uma certa atmosfera. Não vai demorar muito para saber como as coisas andaram, até que o Kreuz.net tenha a informação de que Schönborn foi obrigado a recuar. Porque sabe-se muito bem que esses sites têm acesso a informações que, na realidade, são internas.
Visto que você também colaborou com eles, quem são as pessoas que estão por trás desses portais?
Berger – Do Kreuz.net, eu claramente me distanciei desde o início. Jamais colaborei com eles. Depois, coerentemente, tudo se desenvolveu de uma forma trágica. Não só a homofobia, mas também antissemitismo e outras bobagens do passado voltaram à tona. O que é realmente chocante é que o Kath.net também é financiado com o dinheiro dos impostos para a Igreja e com fundos da entidade assistencial Kirche in Not (Igreja em necessidade).
Senhor Zulehner, como o senhor define as pessoas que estão por trás do Kreuz.net e do Kath.net?
Zulehner – Com certeza, podemos começar do pressuposto de que esses grupos se colocam à direita, seja politicamente, seja na Igreja. Com base em todas as pesquisas, essas pessoas têm em si, como característica da sua personalidade, um autoritarismo muito forte. Visam a uma moral extremamente rígida. Exteriormente, isso aparece através da violência verbal. Se pudessem, queimariam as pessoas na fogueira. Mas hoje as fogueiras são construídas através da mídia e precisamente através de uma linguagem fortemente agressiva.
Eles são totalmente intolerantes: antissemitas, anti-islâmicos e xenófobos. Acho que uma insegurança interior dessas pessoas é coberta por um rígido fechamento com relação ao exterior. Por exemplo, o medo de que a moral entre em colapso. Eles não querem que seja dada confiança às pessoas, ou a responsabilidade de decidir livremente sobre as suas vidas. Eles têm um conceito de obediência incompatível com a liberdade. Mas absolutamente não é o conceito de obediência que os padres prometem respeitar solenemente.
Essas pessoas muitas vezes acabam dentro da Igreja?
Zulehner – Elas estão por toda parte, às vezes até simultaneamente no FPÖ [Freiheitlichen Partei Österreichs, Partido Austríaco da Liberdade, considerado nacionalista e populista] e no Kath.net. Não há um motivo interno à religião, apenas que essas pessoas extraem da religião o que corresponde ao seu modo de pensar, isto é, ordem e moral.
Quem o senhor vê na Áustria como forças conservadoras dominantes dentro da Igreja?
Zulehner – Certamente, o Kath.net e o Kreuz.net. Antes também havia uma parte da ala de extrema direita do ÖVP [Österreichische Volkspartei, Partido Popular Austríaco, de inspiração católica e de tendência conservadora], mas ela mais ou menos se dissolveu. A velha nobreza está relativamente forte. Naturalmente, na Igreja, há pessoas ultraconservadoras. Há em todas as religiões. Mas não acredito que isso seja um apanágio exclusivo das religiões.
Mas essas pessoas são apoiadas por Roma em suas atitudes?
Zulehner – Encontramos um clima decisivamente favorável. Ao invés, para aqueles que desejam o pluralismo, que apontam para a consciência e a liberdade, o caminho na Igreja torna-se cada vez mais estreito. Certamente, é preciso dizer que o cardeal Schönborn, com relação ao tema da homossexualidade, não vai nessa direção. Eu acho que se despertou novamente em muitas pessoas a esperança de que ainda não chegamos ao ponto em que a responsabilidade e a liberdade baseadas na consciência desapareceram na Igreja.
Berger – Se observamos como esses grupos se tornaram influentes com o Papa Bento XVI, a Fraternidade São Pio X, o Kreuz.net, o Kath.net, mas também muitos outros pequenos grupos que atuam nas sombras, nos damos conta de como eles estão assustadoramente em ascensão. Justamente o clero mais jovem é 80% de tendência conservadora. Dizer que esperamos que os velhos conservadores desapareçam é uma idiotice total. Porque muitas vezes os padres que viveram os tempos pré-conciliares e viram que o antigo rito da missa não era, de fato, o remédio para todo os problemas do mundo são mais progressistas do que os jovens que cresceram em um mundo totalmente secularizado. E que agora buscam a alternativa em um mundo clerical irreal.
Através do seu estudo sobre os párocos, quais conhecimentos o senhor adquiriu sobre o comportamento dos párocos em geral?
Zulehner – Os párocos são, em grande maioria, voltados para a liberdade. Também é interessante que 72% do clero apoia a Pfarrer-Initiative. Ao contrário, principalmente entre os padres mais jovens (cada vez menos numerosos), temos uma proporção semelhante à da sociedade como um todo, que quer de novo se livrar do peso incômodo da liberdade.
Isso significa que esse grupo encontra-se hoje decisivamente reforçado nos seminários?
Zulehner – Sim, acima da média, em comparação com as gerações anteriores de candidatos a padre. Porque os que são mais abertos não vêm mais.
Portanto, hoje, a Igreja atinge apenas novas levas à direita?
Zulehner – Atingem-se as pessoas que têm menos problemas com um conceito de obediência não livre, disposto à submissão. Eu acho que não se trata só da fraqueza dos grandes partidos ÖVP e SPÖ [Sozialdemokratische Partei Österreichs], ou do fato de que o FPÖ e o BZÖ [Bündnis Zukunft Österreich, Aliança para o Futuro da Áustria, fundado em 2005 por Jörg Haider] em geral se tornem cada vez mais fortes, mas também se trata de um desenvolvimento cultural. A lua de mel de 1968 passou. Entre 1970 e 1995, constatamos uma contínua diminuição do autoritarismo, enquanto, desde então, os dados voltaram a aumentar.
Berger, quem ainda vai hoje ao seminário?
Berger – Eu sempre digo um pouco de brincadeira que 80% são conservadores, e 70% são homofílicos/homofóbicos. Essa é a situação daqueles que hoje vão ao seminário. Se, depois, são descobertos escândalos reais, como em 2004 em St. Pölten, então se percebe que as coisas são efetivamente assim. St. Pölten é justamente um evento-chave para ver como o conservadorismo extremo anda de mãos dadas com a homofilia extrema em todas as suas nuances (de fato, os protagonistas do escândalo de St. Pölten – o reitor, Kuchl, o vice-reitor, Rothe, e certamente Krenn também – eram rígidos conservadores e homossexuais).
Há padres que vivem abertamente a sua homossexualidade?
Zulehner – Com relação a isso, na realidade, não temos estudos detalhados. Temos apenas estudos anônimos de nível nacional. Penso que, em geral, no caso das relações sexuais no clero, elas são predominantemente de tipo homossexual. Parece haver um ligeiro excedente com relação às relações de tipo heterossexual. Mas não somos capazes de fornecer números comprovados com relação a quem vive verdadeiramente uma relação efetiva.
Berger – A respeito disso, não temos nenhum estudo sociológico que nos diz qual é o porte do fenômeno. Dois estudos dos anos 1990 relativos à América do Norte e um relativo aos Países Baixos chegaram ao resultado de que, nos EUA e na Europa ocidental, o número dos homossexuais entre o clero é de cerca de 40% e 60%. O que se pode dizer é que o número de padres homossexuais na Igreja Católica está muito acima da média existente entre a população em geral. Acho que é inútil refletir sobre o quanto acima.
Mudou a atitude da Igreja com relação à homossexualidade?
Berger – Enquanto a homossexualidade era ilegal e considerada tabu pelo Estado, a única possibilidade para um homossexual que não queria se casar e que também não queria se tornar motivo de chacota na sociedade era se tornar padre católico. A Igreja era um refúgio para essas pessoas. Com o moderno movimento homossexual, há uma alternativa. Se eu descubro que sou homossexual, não tenho que necessariamente ir para um convento. Essa alternativa se apresenta agora como uma concorrência, e a Igreja, então, reage de forma alérgica. E há uma pessoa que no centro dessa reação alérgica desde o início: Josef Ratzinger. Ao se tornar papa, essa reação aumentou ainda mais. Para o meu livro, eu fiz pesquisas também nas Acta Apostolicae Sedis. Nos últimos anos, Ratzinger voltou a falar repetidamente desse tema. Na história, eu não conheço nenhum papa que tenha agido de forma tão homofóbica como Bento XVI. E, desse modo, ele naturalmente encoraja os grupos conservadores para piorar as coisas.
O que você espera da Pfarrer-Initiative?
Berger – Espero que possa ser um contrapeso. Porque, finalmente, alguma coisa aconteceu. E se considerarmos o conteúdo do Apelo, deve-se reconhecer que são fundamentais para a sobrevivência da Igreja Católica, se não quisermos que ela se torne uma grande seita fundamentalista. Nisso, devemos reconhecer os bispos austríacos, em particular Schönborn, por terem tentado avançar em um caminho complexo entre os reacionários e os progressistas. Mas o fato de que cheguem ameaças de procedimentos disciplinares de Roma, no fundo, é uma declaração de fracasso. E eu temo que, no fim, eles irão se impor.
Roma ainda pode se dar ao luxo de continuar com medidas severas?
Zulehner – Pense no discurso do Papa Bento XVI em Friburgo, em que ele falou da desmundanização da Igreja. Ou seja, eles preferem um pequeno grupo de elite, 100% atrás do papa, como o povo da Igreja. Esse basicamente é o programa de Bento XVI. Encontramos isso ainda em seus primeiros escritos, "precisamos nos reduzir", que é sua expressão favorita nesses textos. Isto é, fora com os elementos liberais. E esse é exatamente o tom do Kreuz.net e do Kath.net: acordem, protestantes, não precisamos de vocês.
Senhor Zulehner, qual a sua avaliação da Pfarrer-Initiative?
Zulehner – A Pfarrer-Initiative não vive daquilo que os párocos gostariam, mas sim do que efetivamente é vivido nas comunidades eclesiais, como a acolhida aos sacramentos a divorciados em segunda união, o fato de que leigos preguem e temas semelhantes. Portanto, realmente deve-se fazer a pergunta se ela conseguirá se tornar congruente ou se aproximar do que é dito em nível eclesial e do que é efetivamente feito nas comunidades. Acredito que o problema não é tanto dos párocos, mas sim dos bispos. Porque, manifestamente, os párocos assinalam, com a sua iniciativa, que as reformas devem seguir em frente, com ou sem os bispos. E seria fatal se as reformas seguissem em frente sem os bispos.
E o senhor acredita que isso acontecerá na Áustria?
Zulehner – Com relação ao problema dos divorciados em segunda união, o conflito não é entre Schüller e Schönborn, mas sim entre Schönborn e o papa.
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