sexta-feira, 16 de julho de 2010

Profissionais da rede de serviços de violência doméstica contestam decisão da justiça que negou pedido medidas protetivas para Eliza Samúdio

Os procedimentos policiais e judiciais, dados técnicos, tramite do processo e as circunstâncias que levaram ao suposto assassinato de Eliza Samúdio, desde a primeira denúncia até ao desaparecimento da vítima, foram alguns dos temas abordados no encontro organizado pela deputada Inês Pandeló (PT), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Assembleia Legislativa do Rio e que aconteceu na manhã dessa quinta-feira (15/07), no auditório da Alerj. Inês Pandeló explicou que a ideia foi a de reunir profissionais da rede de serviços de apoio e combate à violência doméstica e o movimento de mulheres para não só discutir o caso Eliza, que aponta o ex-goleiro Bruno do Clube de Regatas do Flamengo como um dos suspeitos, como também o de levantar o tema para que casos de agressão contra a mulher possam ser coibidos.

- Todos os dias são registrados casos de violência doméstica contra a mulher, que vão desde agressão verbal a assassinatos. Esse é apenas mais um e que ganhou notoriedade na mídia por o suspeito se tratar de um jogador de futebol famoso e de um grande clube. Mas casos de mulheres ameaçadas, agredidas e mortas por companheiros ou ex-companheiros são frequentes - lamentou Inês Pandeló, lembrando, com tristeza, da frieza dos acusados e os requintes de crueldade como o suposto crime ocorreu. Na semana passada, o Instituto Zangari divulgou o estudo intitulado Mapa da violência no Brasil 2010, com base no banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus), em que dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil. Entre os anos de 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio - índice de 4,2 assassinadas por 100 mil habitantes.

A titular da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Jacarepaguá, delegada Silvana Braga, informou que, quando Eliza procurou o órgão, em outubro de 2009, para registrar queixa contra Bruno, pediu à justiça a aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e que as medidas protetivas fossem adotadas, mantendo o atleta longe da vítima. Na ocasião, o goleiro foi acusado dos crimes agressão, cárcere privado e por obrigá-la ingerir medicamento abortivo. "A justiça entendeu que não se tratava de crime de violência doméstica e a lei Maria da Penha não poderia ser aplicada". A juíza titular do 3º Juizado de Violência Doméstica, Ana Paula Delduque Laviola de Freitas, explicou, em sua decisão, que a vítima não poderia se beneficiar dessas medidas, nem "tentar punir o agressor", sob pena de "banalizar a Lei Maria da Penha. Por conta disso, houve declínio de competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para uma Vara Criminal do Fórum de Jacarepaguá.

A delegada Martha Rocha, diretora do Departamento de Polícia de Atendimento à Mulher (Dpam), informou que o depoimento da modelo tinha cinco laudas e detalhava o relacionamento do "casal" e de como os crimes aconteceram. "Pelo depoimento, não havia dúvida de que a vítima tinha uma relação de convivência com o goleiro". A delegada informou ainda que ele foi ouvido e qualificado e cabia à justiça decretar as medidas cabíveis.

A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), Margarida Pressburg, diante do entendimento da magistrada de que a finalidade da legislação seria a de proteger a família proveniente de união estável ou de casamento e não de relação de caráter eventual e sexual, frisou que as leis têm interpretações. "Porém, em se tratando de um homem e de uma mulher que estão gerando outra vida, não há como não aceitar isso como uma família. Acho que houve excesso de zelo por parte da juíza, mas, como advogada, acato a decisão", afirmou Margarida, que citou ainda o artigo 5º da Lei Maria da Penha, o que caracteriza como violência doméstica qualquer relação íntima de afeto, onde o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação, para justificar sua opinião.

A advogada defendeu ainda uma maior participação do Ministério Público em casos envolvendo violência doméstica. "O Ministério Público é aquele que acusa, e, hoje em dia, o MP, principalmente nas áreas de violência doméstica, tem tido uma função pacífica. Ele espera ser chamado, quando acho que o Ministério Público deveria ser mais ativo. Recebeu o inquérito, leu e viu que há um risco para a mulher, então, tem que agir imediatamente e não esperar que o órgão seja chamado a acusar ou não. A Comissão de Direitos Humanos da OAB, junto ao Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), da Defensoria Pública, vai marcar um encontro com representantes do MP para agilizar um pouco isso e para que outros casos como o da Eliza não ocorram", assinalou Margarida.

Inês Pandeló informou que vai pedir ao Governo do estado a implantação de uma Secretaria Especial de Direitos da Mulher. "Tenho lutado para a implantação da secretaria no Rio, já que existe uma Secretaria de Políticas para Mulheres em nível nacional. Ter no estado um órgão semelhante vai fazer com que as ações públicas voltadas para nós, mulheres, ganhem mais força e evitar que casos como esse que está movimentando o País aconteçam", acredita Pandeló, autora do projeto de lei 150/07, que autoriza o Executivo a criar um órgão para a discussão de políticas públicas as mulheres.

Estiveram presente ainda a presidente do Fórum Feminista do Rio, Beth Frota; a psicóloga do 1º Juizado de Violência Doméstica, Mara Monteiro, e a Coordenadora do Nudem, a defensora pública Arlanza Maria Rodrigues Rebello.

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