quinta-feira, 4 de março de 2010

A história do nosso futuro


Por Rodrigo Cesar

Ao completar 30 anos, o PT se prepara para garantir não apenas uma vitória eleitoral, mas também pavimentar o caminho para um terceiro mandato presidencial superior ao segundo. Para enfrentar o desafio, a tática deve estar orientada pela estratégia.

Concorrem negativamente para este pressuposto a corriqueira definição de ações sem uma avaliação nem mesmo dos erros e acertos já cometidos anteriormente. Em geral, o predomínio das questões táticas e conjunturais, em detrimento dos aspectos estratégicos e estruturais, dificulta identificar as relações existentes entre momentos históricos distintos, fundamentais para situar lutas imediatas com objetivos de longo prazo. Conseqüentemente, reduz-se a capacidade de analisar os contrastes e as concordâncias entre o que se propôs anteriormente e o que se aponta para o futuro.

A construção do programa que irá nortear as ações do Governo Dilma deve considerar não apenas as realizações, avanços e transformações do Governo Lula, de um lado, e seus limites, insuficiências e equívocos, de outro. Construir uma perspectiva histórica das propostas já apresentadas à sociedade brasileira contribuirá para que avaliações e balanços críticos das experiências vividas sirvam de subsídios à elaboração de políticas capazes de proporcionar mudanças mais profundas, articuladas com a luta por uma sociedade socialista.

Assim, quando o PT, em seu IV Congresso, assume a dimensão estratégica da juventude na construção do que chamou de Projeto de Desenvolvimento Nacional Democrático Popular, torna-se ainda mais enriquecedor visitar as formulações dos programas de juventude das candidaturas Lula.

Desde 1989 o PT apresenta propostas que buscam soluções para os problemas vividos pelos jovens. Já naquele período reconhecia-se a existência de uma etapa da vida, considerada um tempo difícil de transição, sobretudo em países como o Brasil. Reconheciam-se, inclusive, diferenças nas realidades vividas por diferentes faixas etárias, origem territorial (urbana ou rural) e de gênero. Os aspectos étnico-raciais surgem somente em 1994. Mas aparece com força na denúncia: guerra não declarada contra a juventude, marcadamente contra a juventude negra e das periferias das grandes cidades.

Dados e pesquisas de 1989 sobre os jovens no mundo do trabalho levaram à seguinte conclusão expressa no programa: o agravamento das condições de vida da classe trabalhadora leva parcelas importantes da juventude a ingressar prematura mente no mercado de trabalho, em prejuízo de sua formação educacional.

O programa de 1994, além de repetir o mesmo raciocínio, somou à formulação a explicação de que o trabalho precoce dos jovens decorria do objetivo de somar seus ganhos à renda familiar e uma caracterização do trabalho informal juvenil: jornadas de trabalho longas, baixos salários e nenhum tipo de seguro. Diagnóstico semelhante se repete em 1998. Em 2002, o desemprego torna-se destaque, quando se afirma que metade dos desempregados do país é de jovens e que é nessa faixa etária que se encontra o maior índice de desemprego.

Como quem pretende evidenciar uma prova de que ainda existem mudanças estruturais fundamentais a se realizar, em seu Encontro Nacional de 2010, a JPT aprovou uma resolução com avaliação similar à de 1989. Qualquer semelhança não é mera coincidência: A grande maioria dos jovens, principalmente, os das famílias de baixa renda, não consegue conciliar os estudos com o trabalho – sendo grande o número dos que não conseguem concluir o ensino médio, muitas vezes nem mesmo o ensino fundamental, exatamente por já estarem inseridos no mundo do trabalho.

Desde os primeiros programas para a juventude brasileira, o PT identificava a existência de uma condição juvenil, reconhecia a heterogeneidade e diversidade dos jovens – justificando a necessidade de políticas específicas – e considerava que a maioria da juventude era prejudicada pela necessidade de abandonar os estudos visando contribuir com a renda familiar por meio de trabalho, em geral, mal remunerado e em condições precárias.

As propostas que visavam combater esta realidade comprometedora de falta de perspectivas sofreram mudanças ao longo do tempo. Mantiveram, entretanto, dois eixos fundamentais: por um lado, garantir aos jovens que buscam seu primeiro emprego (1998), mas não encontram reais oportunidades (2002), a absorção dessa mão de obra no mercado de trabalho (1994) com uma política específica de empregos (1989); por outro, impulsionar políticas de incentivo ao aperfeiçoamento (estágios remunerados) e qualificação (cursos técnicos e profissionalizantes) dos jovens (1998) aliadas à maior formação escolar acadêmica e profissional (2002), com a melhoria da qualidade do ensino e o aumento da oferta de vagas (1989).

O programa de 2006 resume a ópera: A geração de trabalho e renda e a qualificação profissional são alguns dos desafios de uma política nacional de juventude. A promoção da formação profissional e incentivo à escolarização aliada à oferta de postos de trabalho é uma política pública ideal para garantir aos jovens o direito ao trabalho.

Em meio a tantas semelhanças, há espaço para diferenças significativas que mereçam nossa atenção. Elas aparecem seja como reflexo das mudanças de estratégia, tática e programa pelas quais o partido passou, seja pela crescente inserção e formulações que o tema juventude ganha ao longo das duas últimas décadas.

Por um lado, aumentou-se a centralidade dada ao crescimento econômico como pedra de toque para superar obstáculos, o que gerou, nos programas de juventude, a idéia de que o crescimento econômico a taxas substantivas traria as respostas ao número cada vez maior de jovens que não conseguem ingressar e permanecer no mercado de trabalho (2002). Ou seja, não mais um padrão alternativo de desenvolvimento, articulado às reformas democráticas e populares, seria responsável pela melhoria das condições de vida dos jovens, e sim o crescimento e o emprego decorrente.

Ainda que contribuísse para diminuir a taxa de desemprego entre jovens a política de garantia do primeiro emprego, amparada na qualificação profissional e nos estímulos à contratação de jovens pelas empresas, constituía uma resposta conjuntural para um problema estrutural e, portanto, incapaz de dar resultados consistentes e duradouros.

Por outro lado, o arranjo institucional específico para coordenar as ações direcionadas aos jovens e os marcos legais para que a política de juventude se torne uma política de Estado ganham corpo como pauta apenas no programa de 2006. Nele, afirmava-se que até o Governo Lula, os programas e ações eram pontuais e pouco articulados entre si e que depois o Estado brasileiro passou a reconhecer os jovens como sujeitos de direitos específicos e universais, o que tem assegurado oportunidades e direitos de cidadania aos jovens. É possível dizer, portanto, que o PT vem contribuindo sobremaneira na inserção e formulação do tema juventude desde a década de 1980, antes de completar 10 anos, mas sua capacidade de pautar a sociedade diante das questões enfrentadas pelos jovens cresceu enormemente com a presença no governo federal.

Durante o Governo Dilma iremos articular ações que combatam o ingresso precoce e em condições precárias dos jovens no mundo do trabalho com políticas educacionais e programas de transferência e geração de renda, formação e qualificação profissional. Para isso, será necessário considerar outros fatores que impulsionam a busca precoce por trabalho e emprego entre os jovens, para além da necessidade material familiar: a busca de autonomia, a experimentação de outras esferas da vida e a definição de identidades.

Entretanto, além de compreender a condição juvenil e traduzir a heterogeneidade dos jovens ao viverem sua juventude em políticas que combinem o atendimento das demandas emergenciais e específicas às políticas estruturantes e universais, é fundamental garantir, a todos os jovens brasileiros, o direito ao trabalho ao mesmo tempo em que se garante o direito à educação, o que envolve superar o desgastado e insuficiente binômio qualificação-emprego. Sem possibilitar a convivência harmoniosa entre a continuidade dos estudos e o trabalho decente e bem remunerado, não é possível falar no desenvolvimento material, intelectual, cultural, político e moral da juventude.

Nas diretrizes para o programa de governo em 2010, o PT afirma que criar as condições para formar uma geração capaz de disputar e dar continuidade aos avanços políticos, sociais, econômicos, culturais, científicos e ambientais que o país necessita exige impulsionar reformas democráticas e populares que garantam a integração das novas gerações ao processo democrático e ao projeto de desenvolvimento sustentável. Em suma, o conjunto do partido passa a entender, como foi apontado pelo ENJPT ocorrido duas semanas antes, que é preciso se apropriar da temática juventude, não apenas no sentido da luta por direitos específicos, da reparação social ou das políticas afirmativas, mas também na perspectiva de que os grandes desafios colocados para a sociedade se desdobram na juventude, ou seja, nas novas gerações.

O Programa Setorial de Juventude com o qual Lula disputou as eleições de 2006 já apontava para a necessidade de investir na juventude visando preparar toda uma geração para assumir responsabilidades com o presente e o futuro do Brasil. Contudo, em 2006 não se evidenciavam dois elementos que diferenciam as diretrizes de 2010: primeiro, a centralidade que a juventude passa a assumir na construção do projeto de país, agora dotada de uma dimensão estratégica; segundo, a retomada da idéia de que será necessário um padrão alternativo de desenvolvimento, com a implementação de reformas democráticas e populares, para transformar estruturalmente a vida da juventude brasileira.

Aliados ao acúmulo teórico, político e institucional que o PT adquiriu nos últimos anos referente ao tema juventude estes dois elementos contribuem para que as questões estratégicas e estruturais orientem nossa tática, nosso programa e nossa ação.

A juventude, quando se lança em uma tarefa e busca conhecer o que foi feito para melhor prosseguir, constrói a história do seu futuro.

Rodrigo Cesar é militante do PT de Guarulhos/SP e da JPT


Fonte: Página 13

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